Para muitas pessoas, somente o título deste post é polêmico. Afinal, qual a razão de estar falando de questões políticas como equidade ou igualdade de gênero, ideologias como feminismo, se o judô é um esporte e não um espaço de se fazer política?

É comum ouvir este tipo de comentário, mas infelizmente essa forma de pensar não reflete o Judô, que apesar de ser um esporte bastante popular em todo o mundo, não é apenas e somente um esporte, como Jigoro Kano sempre enfatizou. O Judô foi criado para ser uma ferramenta de transformação social, uma ferramenta para melhorar a sociedade em que vivemos, e inevitavelmente, o caminho passa por discussões sobre desigualdades sociais, desigualdades religiosas, econômicas, e também de gênero, como este texto pretende discutir.

Ao investigar a história do Judô, é possível ver que já houveram muitas ações (iniciadas pelo próprio Shihan Jigoro Kano) em prol da equidade de gênero, luta esta que se seguiu adiante através de várias personalidades do Judô, como a Shihan Keiko Fukuda, aluna direta de Jigoro Kano, que passou toda sua vida lutando e defendendo um movimento feminista no Judô, em prol das mulheres. E desde o ano de 2018, a Federação Internacional de Judô, através da Comissão de Equidade de Gênero, liderada pela Dra. Lisa Allan, organizou a primeira conferência internacional para discutir a questão do gênero e desigualdades no Judô.

A contribuição do Judô na discussão sobre equidade de gênero

Atualmente, não é preciso buscar muito para perceber como é importante a discussão sobre gênero dentro de nossa sociedade, e em especial, no esporte. Recentemente o Fantástico denunciou um professor de jiu-jitsu que, segundo consta a denúncia, não só seduzia suas alunas para ter com ele uma relação sexual como também as agredia. Este caso não é um caso isolado. Dentro de diversas modalidades esportivas, e fora do esporte, vemos casos de abusos sexuais, assédio moral, contra as mulheres.

Mas como diz Kate Corkery, membra da Comissão de Equidade de Gênero da FIJ, a discussão sobre gênero não é apenas sobre mulher e homens, mas também transgêneros, intersexuais e identidade de gênero. E como talvez muitos não saibam, o Brasil já teve uma atleta mulher que nasceu com a condição de intersexual (condição que afeta mais ou menos 3% da população mundial) defendendo nossa bandeira em quatro jogos olímpicos, mundiais e panamericanos, a Edinanci Silva. Edinanci nasceu e cresceu como mulher (o que sempre foi), mas apenas nas vésperas do jogos olímpicos de Atlanta (1996) ela descobriu a condição de intersexual e teve que passar por uma série de cirurgias e tratamentos para poder ser aceita pelo Comitê Olímpico Internacional para competir na categoria feminina. Vale lembrar que Edinanci foi a primeira mulher e judoca brasileira a conseguir ser classificada a quatro jogos olímpicos seguidos, em uma época onde o judô era totalmente dominado pelas categorias masculinas.

Belíssimo Ippon de Edinanci Silva nas Olimpíadas de Atlanta

Pensando em diversos atletas que poderiam estar praticando o Judô, competindo, e tendo livre acesso sem preconceito, atletas como a Ednanci, que sim sofreu muitos preconceitos e teve muita dificuldade de ser aceita como mulher, a Federação de Judô do Canadá lançou uma cartilha com as Políticas para Atletas Transgêneros. Esta cartilha orienta todos os dojos do Canadá a compreender o que significa termos como transgênero, condição intersexual, identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual, e orienta como cada pessoa deve ser tratada, compreendendo suas condições, para garantir uma equidade de gênero e um ambiente de total respeito no esporte. Este documento é um excelente exemplo de como o Judô, seguindo os princípios de Jita Kyoei, pode ajudar a construir uma sociedade melhor.

Motivado pelos mesmos princípios desenvolvidos por Jigoro Kano e pela obrigação de se posicionar para um mundo melhor, a Federação Internacional de Judô também lançou uma cartilha com estratégias para um mundo onde há equidade de gênero. Nesta cartilha, a FIJ também explica conceitos como equidade de gênero e igualdade de gênero, que são coisas distintas, e descreve estratégias para a promoção da equidade de gênero no Judô e na sociedade. Dentre as estratégias temos ações como ações educativas, organização de eventos, empoderamento de gênero, uso da linguagem adequada a identidade de gênero e expressão de gênero de cada um, etc. Ações estas que podemos começar também a promover em nossos dojos.

Judô – Competindo por um mundo melhor

A próxima ação de grande porte organizada pela Federação Internacional de Judô em respeito a questão do gênero será a segunda conferência internacional sobre equidade de gênero. A conferência ocorrerá durante o Mundial de Toquio, no dia 24 de agosto de 2019. A ideia é seguir promovendo a consciência das pessoas a respeito deste tema, educar-las e desenvolver novas estratégias a fim de fazer deste mundo, como sonhou Jigoro Kano, um mundo melhor.

A pergunta é: O que falta para com que você seja parte deste movimento e ajude também a mudar o mundo?

Judô e Equidade de Gênero por um mundo melhor
Judô e Equidade de Gênero por um mundo melhor