O canal do Youtube do Portal do Vale Tudo publicou recentemente uma excelente entrevista com o mestre Pedro Valente Jr. Para quem não conhece, o Pedro Valente Jr. é um dos três filhos do Dr. Pedro Valente (1938-2016), grande amigo do grande mestre Hélio Gracie e igualmente grande mestre do Jiu-Jitsu. Essa proximidade única com o mestre Hélio permitiu que a família Valente aprendesse o jiu-jitsu diretamente na fonte, mas com algumas particularidades em especial que eles mantém até os dias atuais.

Na entrevista abaixo, o mestre Pedro Valente Jr. demonstra seu profundo conhecimento na história do jiu-jitsu brasileiro, desde suas origens, principalmente pela excelente pesquisa histórica que ele e seus irmão continuam fazendo e pelo acesso direto a raros materiais sobre a família Gracie. Confira abaixo a entrevista, e em seguida, alguns comentários que fizemos sobre a entrevista, talvez algumas possíveis correções, ou melhor, pequenos ajustes a algumas informações ditas, pois como o mestre Pedro mesmo disse ao final da entrevista é possível que alguma informação tenha sido passada de modo equivocado, e nada melhor que abrir o espaço público para a discussão, que é o que fazemos aqui, convidando a todos a discutirem na seção de comentários do nosso site.

Entrevista Pedro Valente – Valente Brothers Jiu-Jitsu – Portal do Vale Tudo – Video

Comentários sobre a entrevista:

Jiu-Jitsu antigo e luta de chão – Nos primeiros momentos da entrevista, o mestre Pedro Valente afirma que os estilos de jiu-jitsu antigos (Ko Ryu Jiu-Jisu – que antes da Kodokan chegaram a ser mais de 1000 estilos diferentes existentes) tinham como estratégia a luta no chão. Essa informação não procede. Primeiro, pela grande variedade de escolas. Haviam escolas especializadas em chaves de articulação, outras em técnicas de contato como socos e chutes, outras em uso de certas técnicas de controle, mas todas tinham um propósito de ser usado em campo de batalha, onde ir ao chão significava basicamente a morte. Não haviam ainda na época antiga competições ou desafios entre escolas como os que passaram a ocorrer no período da fundação da Kodokan. Isso não implica dizer que não existiam estilos que tivessem técnicas de luta no chão. Alguns poucos, como o Fusen Ryu, são sempre citados como um destes estilos. Mas a luta de chão definitivamente não era prioridade no jiu-jitsu antigo.

Para justificar seu ponto, ele cita o livro Game of Jiu-Jitsu. Entretanto, ao conferir a citação, o livro não se refere ao Jiu-Jitsu antigo, e sim, ao movimento moderno das artes japonesas como artes para defesa pessoal. Tudo isso também entra em conflito com a afirmação de que existia um jiu-jitsu original. Essa informação também não procede. Como Jigoro Kano descreveu em alguns livros, existia uma enorme variedade de escolas de Jiu-Jitsu. Obviamente, uma destas teve a ideia de usar para si a nomenclatura “jiu-jitsu”, ideia esta que se espalhou e passou a ser seguida pelas mais distintas famílias e feudos. O mesmo serve para a palavra Judô, que já existia no passado para se referir a uma escola, mas que não tem qualquer relação com o Judô Kodokan. Jigoro Kano apenas quis usar a mesma palavra que outra pessoa no passado usou. Não se pode dizer por isso que existiu um Judô original do passado.

Maeda nunca usou o nome Judô – O mestre Pedro decide comentar sobre Maeda e de certo modo afastá-lo da escola Kodokan, afirmando que ele nunca quis usar o nome Judô e que ensinou algo diferente da Kodokan para os Gracies. O fato é que quando Maeda saiu do Japão, o Judô ainda estava em formação. O Judô não nasceu de um dia para o outro, mas demorou anos para tomar forma. Os próprios princípios filosóficos do Judô levaram mais de 30 anos para serem desenvolvidos por Kano, princípios estes que Maeda nunca aprendeu. Por isso se pode dizer que historicamente ao menos, não existe relação direta entre a filosofia do Judô e a filosofia do Jiu-Jitsu brasileiro, estilo de luta que foi ensinado sem fundamento filosófico aos Gracies. Então qual Judô Maeda ensinou para os Gracies? O judô ensinado para os Gracies foi justamente um judô muito inferior ao da Kodokan, no sentido de filosofia e quantidade de técnicas. De modo algum isso menospreza os Gracies, que sempre tiveram um espírito de guerreiros e participaram de muitas lutas interestilos, sendo excelentes atletas e excelentes conhecedores das técnicas que aprenderam. Mas qual a razão de Maeda nunca utilizar o nome Judô então? A razão se vem do fato de que este nome ainda nem mesmo era utilizado no Japão. Foi somente em 1925 que houve a primeira grande reforma do Judô e Jigoro Kano enviou judocas por todo o mundo buscando uma unificação. No Brasil, algumas escolas aderiram ao novo nome e outras não, como foi o caso da família Gracie. Mas a prova cabal de que os Gracies não tiveram acesso a todo o repertório técnico do Judô Kodokan vem do fato histórico de que eles somente tiveram contato com algumas técnicas do Judô depois dos anos 50, como o Ude Garami, Sankaku-Jime e o famoso Sode Guruma Jime, ensinado aos Gracies em 1986 por um judoca brasileiro.

Sakuraba não veio do Wrestling – Sakuraba, o famoso Gracie Hunter, é um atleta que acabou vencendo os melhores atletas da família Gracie. A origem marcial de Sakuraba é uma só – a luta livre. A luta livre é extremamente popular até hoje no Japão, e o Japão mantém uma relação de amizade com o México na troca de conhecimento da luta-livre desde a época de Maeda, que antes de chegar ao Brasil, visitou Cuba e o México, lutando nestes países contra atletas da luta-livre. Sakuraba vem de uma escola japonesa de luta-livechamada Shoot Wrestling. E foi utilizando as clásicas técnicas de luta-livre que Sakuraba venceu os Gracies e recebeu o famoso título de Gracie Hunter. Não há razões para desmerecer a história e as origens reais e conhecidas do grande Sakuraba na entrevista.

Esses são alguns dos comentários que fazemos sobre a entrevista. Entrevista esta que todos devem assistir porque é uma aula única sobre a história do jiu-jitsu dada por uma pessoa com grande conhecimento. Os comentários não desmerecem em nada a entrevista do mestre Pedro Valente, ao contrário, apenas agregam na discussão. Assistam a entrevista e divirtam-se!!

* Agradeço a Luciano e Andrezinho por enviarem o vídeo da entrevista e pelas conversas sobre o mesmo que motivaram este post.