O título desse post pode parecer provocador, mas essa pergunta foi levantada por Jigoro Kano em 1931, quando publicou seu livro Judô Kyohon. Em seu livro, Jigoro Kano começa a seção com a pergunta: “O Judô faz as pessoas honestas?

Livro Judô Kyohon – Tradução em Português

É fácil perceber que qualquer resposta que sirva para o Judô, serve também para o Jiu-Jitsu Brasileiro. Em especial, quando buscamos compreender a resposta que Jigoro Kano dá a esta pergunta.

Antes de mais nada, é fundamental entender o que significa esta pergunta. Por exemplo, que tipo de honestidade está sendo questionada? A honestidade consigo mesmo ou a honestidade com os outros? São dois tipos de honestidades. E há também atualmente muita pesquisa científica sobre estes tipos de honestidades. Uma das pesquisas mais recentes relacionadas à honestidade tem a ver com a nossa situação atual da pandemia. Segundo cientistas, pessoas que usam incorretamente a máscara para evitar a propagação de doenças (ou seja, as que deixam o nariz de fora, usam a máscara no queixo, etc) são pessoas que tendem a ser desonestas na sociedade quando não observadas, enquanto que pessoas que usam a máscara corretamente (ou as que não usam de forma alguma) tendem a ser muito mais honestas quando não observadas.

Como os cientistas chegaram a esta conclusão sobre a relação entre o uso da máscara e a honestidade? Bom, pessoas que usam a máscara corretamente ou as que não usam estão sendo honestas em público sobre o que elas acreditam à respeito da pandemia: as que usam a máscara corretamente são honestas e querem de fato proteger a sociedade e evitar a propagação do virus e as que não usam a máscara em público também estão sendo honestas em relação ao que importa a elas: o seu próprio individualismo e não a saúde do próximo e da sociedade. Ambas as pessoas emitem em público através do uso (e não uso) da máscara o que pensam. São pessoas honestas em seus atos (e foram honestas quando medidas no estudo).

Já as pessoas que usam a máscara de modo equivocado, nariz para fora, máscara no queixo, etc, elas tentam, através de seus atos, enganar as pessoas, passar uma imagem de que se importam somente quando estão sendo observadas, mas em privado ou em momentos em que não estão sendo observadas, elas colocam o nariz para fora, boca para fora, pois elas de fato realmente não se importam. Mas por serem desonestas, buscam não exibir o que realmente pensam através dos seus atos.

Nossos atos dizem muito sobre nossa honestidade ou desonestidade. Inclusive dentro do dojo.

“Ah, mas o que isso tem a ver com Judô ou Jiu-Jitsu?” Boa pergunta. Vamos ver o que pensa Jigoro Kano sobre o tema e assim podemos compreender melhor sobre a honestidade e a relação com nossos atos públicos e privados.

Jigoro Kano, Judô, Jiu-Jtsu, Honestidade – O Tatame não mente

Uma frase que costumamos ouvir é que “O tatame não mente“. Ou seja, dentro do dojo, durante a prática do Judô e do BJJ, aparentemente é difícil mentir. A honestidade deve(ria) reinar. O que significa isso?

Se uma pessoa não treina com seriedade, então quando o companheiro de treino ataca, a pessoa receberá o golpe. Ou seja, aquela pessoa que treina distraida, que tem medo de que percebam que o nível dela não está onde ela queria que estivesse, é uma pessoa que sofrerá os ataques do companheiro de treino, mesmo que tente ocultar seu real nível. Dessa forma, dentro do tatame, não há mentira.

Uma pessoa que mente e diz “ser isso e aquilo” é desmascarada dentro do tatame na seriedade do Randori. Ou seja, uma pessoa que se diz faixa roxa de BJJ, mas ao fazer o randori, comete erros básicos de faixa branca, e é finalizado de forma básica pelo faixa branca, vemos que o que ela diz não condiz com como ela atua (exatamente como no exemplo das pessoas que usam a máscara pela metade). Muitos tentam ocultar a verdade inventando desculpas como “é que estou machucado”, “eu deixei ele finalizar”, e coisas do tipo.

Sobre isso, Jigoro Kano escreveu:

“Quando você está acostumado a estar sempre pronto, como nesse caso, é necessário estar sempre vigilante e atento. Consequentemente, você se tornará uma pessoa séria na prática do j?d?, o que não aconteceria se você não estivesse treinando de maneira verdadeira.”

Aquele que treina de maneira verdadeira, como diz Jigoro Kano, é aquele que primeiramente é honesto consigo mesmo, reconhecendo o nível que possui, e é honesto consigo mesmo, se colocando em situações onde pode melhorar seu próprio nível e avançar.

Já aquele que faz randori de modo desonesto seria aquele que faz anti-jogo: que por medo ou vergonha de ser desmascarado pela verdade do tatame, inventa lesões, ou luta sempre na defensiva, esticando os braços e bloqueando o quadril do oponente enquanto passa o tempo, em newaza fecha a guarda e não faz nada diferente para “sobreviver” até o fim do tempo do randori, dentre outras ações. São aqueles que evitam lutar com pessoas que eles consideram ser superiores ou que podem desmascarar seu nível atual, são aqueles que estão sempre com os iniciantes ou sempre com desculpas.

Veja que estas pessoas são exatamente como as que usam a máscara pela metade: elas querem ocultar em público a verdade do que pensam. No caso do Judô e Jiu-Jitsu, ao contrário do caso da máscara, ainda há um agravante: elas querem ocultar em público a verdade do que elas pensam sobre elas mesmas. Isso impede que elas se desenvolvam pessoalmente e também afeta o desenvolvimento de outras pessoas à medida que não permite um ambiente de treino honesto.

Ao que parece, tanto a forma como alguém usa a máscara como seu comportamente dentro do tatame são métodos para exibir a verdade.

Você conhece pessoas que no treino estão sempre inventando desculpas? Escreva nos comentários o que pensa sobre estas ações.

Mas o Judô e o BJJ tornam as pessoas mais honestas?

A resposta é: não. Treinar Judô ou Jiu-Jitsu não fará alguém automaticamente mais honesto. Porém, o Judô e o Jiu-Jitsu nos oferecem o ambiente perfeito para o desenvolvimento da honestidade, tanto no campo individual, privado, quanto para o desenvolvimento da honestidade no campo público.

Podemos perceber que no caso do Judô e BJJ, a honestidade está diretamente relacionada com a humildade e o ego. As pessoas que demonstram desonestidade no tatame (as que sempre estão inventando desculpas, evitando fazer randori com certas pessoas, fazendo anti-jogo, enrolando para o tempo acabar, etc) são pessoas que em geral possuem dificuldade de publicamente reconhecer o seu próprio nível. Que em geral não aceitam serem finalizadas em público por outros de menor nível.

Treinar com honestidade ajuda a superar frustrações e dificuldades
Treinar com honestidade ajuda a superar frustrações e dificuldades

Para Jigoro Kano, a seriedade no treinamento é o método ideal de se alcançar a honestidade. Seriedade implica em treinar prestando atenção, treinar sem distração, treinar sem ficar conversando com os colegas enquanto o professor fala. Definir metas especificas para cada treino, como explicado no texto “Qual o seu objetivo para o treino de hoje?” e alcançar estas metas. Pensar sempre no princípio da máxima eficiencia, Seiryoku Zenyo, em cada momento do treino, para assim ser capaz de reconhecer o seu próprio nível e avançar com eficiência, sair do lugar, ser uma pessoa melhor.

Para que dentro do dojo haja Jita Kyoei e Seiryoky Zenyo, é fundamental haver honestidade e humildade. Não é a toa que a melhor tradução para o termo “Judô” é “Caminho da máxima eficiência”, assim como Jiu-Jitsu seria a “arte da máxima eficiência”. Máxima eficiência esta não somente para a execução das técnicas, mas para o desenvolvimento da honestidade, humildade e outros valores pessoais. E se lembre: Seja sempre mais forte que suas melhores desculpas!

Como você desenvolve estes valores durante o treino e fora do treino? Comente abaixo!