A arte da Caligrafia Japonesa – também conhecida como Shodo (“o caminho da escrita”) é uma arte muito antiga, praticada pelos samurais durante muitos séculos. Na arte da caligrafia, não é permitido cometer erros, já que todo o trabalho se perde caso ocorra algum erro. Por isso, para dominar esta arte, é fundamental limpar a própria mente e permitir que a escrita ocorra. O ato de limpar a própria mente é chamado de mushin. Mushin é fundamental para o Judô, a ponto de que após uma performance de Kata realizada por Jigoro Kano, o samurai Katsu Kaishu escreveu um poema em caligrafia que passou a ser exibida na parede a área principal da Kodokan por muito tempo. Esta caligrafia descrevia a impressão de Kaisho sobre o Judô e dizia: 

“Sem perturbação em mente (mushin), sinta a maravilha da natureza e sem ações intencionais, busque a essência das mudanças” (Katsu Kaishu)

Poema escrito pelo Samurai Katsu Kaishu, agora exibido no museu da Kodokan
Poema escrito pelo Samurai Katsu Kaishu, agora exibido no museu da Kodokan
Jigoro Kano na Kodokan e a Caligrafia de Katsu Kaishu exibida no alto da area principal
Jigoro Kano na Kodokan e a Caligrafia de Katsu Kaishu exibida no alto da area principal

Jigoro Kano aprendeu a arte da caligrafia e literatura chinesa quando era bastante jovem. Com o tempo, ele passou a dominar a arte da caligrafia e deixou diversos de seus trabalhos para seus pupilos. Muitos amigos de Kano pediam a ele um pouco de sua caligrafia, de modo que frequentemente criticavam a ele porque ele escrevia muito, o que podia tirar o valor de sua arte. Mas Kano chegou a responder uma vez, ou ouvir uma destas críticas: “Eu imagino minha caligrafia como um livro. Quero que todos tenham um pedaço de meu trabalho”. Segundo alguns pesquisadores, uma das melhores maneiras de compreender o pensamento de Jigoro Kano é através de sua caligrafia. Por isso, inicialmente, vamos compreender os nomes que Jigoro Kano utilizava para assinar sua caligrafia.

Os pseudônimos de Jigoro Kano na Caligrafia

Até os seus 60 anos de idade, Jigoro Kano usava o pseudônimo “Kônan“. Durante os seus 60 anos, ele também escreveu sob o pseudônimo “Shinkosaï“, e em seus 70 anos, ele passou a escrever sob o pseudônimo “Ki-Issaï“.

Material de Caligrafia utilizado por Jigoro Kano
Material de Caligrafia utilizado por Jigoro Kano

A própria escolha de seus pseudônimos é bastante significativa para compreender o pensamento de Jigoro Kano e compreender o Judô. O nome “Kônan” foi seu primeiro pseudônimo e ele o escolheu em homenagem a uma montanha, perto de sua cidade natal. Já o nome “Shinkosaï” foi inspirado em uma passagem do livro do filósofo chines Zhuangzi (Chuang-tzu), que dizia o seguinte:

“O imperador percebeu que todas as vezes que seu açougueiro cortava a carne, a carne parecia se partir por conta própria, sem influência da faca. Parecia que o açougueiro não estava cortando nada. O imperador perguntou ao açougueiro o segredo de sua arte. O açougueiro respondeu: ‘Eu sigo o Tao, e não a técnica. Aprendi a permitir que a faca siga as linhas naturais da carne, não encontrando assim nenhuma resistência. A faca de um açougueiro comum deve ser trocada a cada mês. Um bom açougueiro usa sua faca por até três anos. Eu já uso a minha faca a treze anos’.”

Assim, o pseudônimo “Shinkosaï” reflete o pensamento de Kano de que o caminho (do) é mais importante que pura habilidades. Por isso é mais importante buscar o caminho das virtudes que apenas o das habilidades ordinárias.

Já o pseudônimo “Ki-Issaï” representa uma frase da filosofia de Confuncio, que diz que “Mesmo que centenas de leis reais sejam diferentes, as coisas sempre regressam ao mesmo lugar”. Isso implica que há um princípio fundamental por detrás de tudo.  Sobre isso, Jigoro Kano escreveu que:

“Para expor a filosofia moral, seria possível fazê-lo com base em uma certa teoria ou religião para aquelas pessoas que possuem uma teoria ou religião. No entanto, para aqueles que não têm, seria muito difícil fazê-los entender. A menos que a filosofia moral seja exposta com base no princípio fundamental que qualquer um pode compreender, seria difícil expor e prevalecer a filosofia moral em um sentido real. ”

E em seguida, Kano continua: “isso significa Jita-Kyoei […] enquanto as pessoas viverem juntas, a reconciliação mútua e a colaboração são essenciais; as pessoas devem conceder e ajudar umas às outras.”

Assim, através do pseudônimo “Ki-Issaï”, Kano buscava expressar o pensamento de que Jita-Kyoei era este princípio fundamental que deveria ser aceito por todas as pessoas, pensamento este que tem como origem a forte influência da filosofia de Confúcio sobre Jigoro Kano.

Objetos pessoais de Jigoro Kano e duas de suas caligrafias, expostas no Museu da Kodokan
Objetos pessoais de Jigoro Kano e duas de suas caligrafias, expostas no Museu da Kodokan

No próximo post desta série (parte 2), discutiremos os principais pensamentos expressos por Jigoro Kano através de sua Caligrafia.