O judô sempre foi tido como mais que um esporte por muitos dos seus praticantes. Isso porque se aprende que o Judô foi criado por Jigoro Kano para ser uma ferramenta educacional e de desenvolvimento moral, intelectual e físico. De fato, Jigoro Kano rejeitava a ideia de ver o Judô como um esporte, principalmente como um esporte olímpico. Sendo ele o primeiro membro asiático do Comitê Olímpico Internacional e tendo participado ativamente de diversas Olimpíadas, Jigoro Kano nunca sugeriu e lutou pelo Judô como esporte olímpico, ao contrário, fazia de tudo para evitar que isso ocorresse.

Valores e o Código Moral do Judô

Judô: Mais que um esporte

Então se o Judô não é apenas um esporte, quais valores são ensinados?

No site da Federação Internacional de Judô, encontramos o seguinte: “Além de ser uma das disciplinas olímpicas mais prestigiosas e universais, o judô é mais que esporte – é também uma ferramenta educacional reconhecida e um modo de vida enriquecido por um código moral e valores éticos que resistiram firmemente à prova da vida.

Respeito, honestidade, autocontrole, amizade, cortesia, honra, coragem e modéstia – os oito valores do código moral do judô são ensinados a todos os judocas desde a primeira vez que entram no dojo.  […] O judô é e sempre será um bastião contra comportamentos ruins e culposos. Qualquer um que desrespeite os valores do Judô será imediatamente e fortemente sancionado.”

Assim, segundo a própria Federação Internacional de Judô, existe um Código Moral do Judô que define oito valores morais que devem ser seguidos por todos os judocas. Mas para os mais curiosos, fazemos a seguinte pergunta: Quem criou o Código Moral do Judô e onde podemos encontrá-lo?

A história por detrás do Código Moral do Judô

Já de início, podemos afirmar com plena convicção: o Código Moral do Judô não foi criado nem por Jigoro Kano, nem pela Kodokan e muito menos por algum japonês. Jigoro Kano nunca falou ou escreveu algo relacionado a códigos morais do Judô nem a estes oito valores.

Então, de onde veio esta ideia tão difundida internacionalmente no mundo judô?

De forma bem resumida, a história é a seguinte: Um japonês, casado com uma mulher estadounidense, escreveu em 1900 um livro chamado “Bushido: A alma do Samurai” (Inazo Nitobe). Este livro é muito interessante e bastante lido e vendido até os dias de hoje. Porém, é rodeado de algumas polêmicas, que apenas irei citar: foi escrito em inglês por um japonês cristão para o público estadounidense que na época via os japoneses como bárbaros. Por isso, se atribui muita invenção sobre a real história dos samurais a Nitobe, e se atribui a ele uma tentativa de aproximar a visão do Samurai da visão estadunidense cristã da época, ao falar de valores do Bushido, ética dos samurais, etc. Se o livro de Nitobe retrata fielmente o Bushido e a cultura dos Samurais, não discutiremos aqui.
O importante é notar que, passados varios anos, um francês chamado Jean-Lucien Jazarin, descobre o Judô aos 42 anos de idade, passando a praticar diretamenre com o Sensei Mikinosuke Kawaishi, Sensei este que recebeu o 5° dan de Judô diretamente de Jigoro Kano, em 1938. Sensei Kawaishi foi um dos personagens mais importantes do Judô na França. Por conta disso, em 1947 foi fundada na França o Colégio de Faixas Pretas, uma associação criada para promover e divulgar a cultura e tradição transmitida pelo Sensei Kawaishi.
Voltando ao Jean-Lucien Jazarin. Em 1953, já faixa preta de Judô, o Sensei Jazarin passa a presidir (por um período de 23 anos) o Colégio de Faixas Pretas da França. Durante sua presidência, e inspirado no livro de Nitobe (que nunca praticou Judô), o Sensei Jazarin criou um código de conduta para os faixas pretas franceses membros do Colégio de Faixas Pretas da França.
Número especial do jornal do Conselho de Faixas Pretas dos Alpes-Marítimos contando a história da criação do Código Moral do Judô

Número especial do jornal do Conselho de Faixas Pretas dos Alpes-Marítimos contando a história da criação do Código Moral do Judô

Um dos membros deste grupo seleto de faixas pretas foi o Sensei Bernard Midan. Em 1985, o Sensei Midan era presidente do Conselho de Faixas Pretas dos Alpes-Marítimos (Alpes-Marítimos é um estado que fica ao sul da França), e como presidente deste conselho estadual de daixa preta, decidiu se inspirar no código de conduta criado pelo Sensei Jazarin para criar algo que pudesse ser usado e ensinado não apenas para graduados, mas também para crianças e iniciantes. Assim, foi neste ano de 1985 que o Sensei Midan criou o Código Moral o Judô, código este usado para ensinar alguns valores às crianças e inspirado no livro de Nitobe, que nada tem a ver com o Judô. Neste mesmo ano, a Federação Francesa de Judô passou a divulgar o código e em seguida, outras federações até ser um código divulgado mundialmente como é hoje.

Jigoro Kano, Virtudes e o Judô

Qual a relação deste código com Jigoro Kano? A resposta é: nenhuma. Este Código Moral do Judô não se baseia em nada do que Jigoro Kano alguma vez escreveu. Entretanto, reflete um pouco dos ensinamentos filosóficos de Confúcio, ensinamentos estes adotados e promovidos por Jigoro Kano. Para Confúcio, estes oito valores seriam na verdade Virtudes (que é sempre algo intermediário entre dois extremos). Virtudes são diferente de valores, pois virtude não é algo que se segue. É algo que só pode ser adquirido através do hábito e repetição. Não se ensina virtudes a outra pessoa. Por isso, para Jigoro Kano, há apenas dois princípios máximos do Judô e é através da repetição e do aprimoramento constante, tendo em meta estes dois princípios, que as virtudes podem começar a ser desenvolvidas. E estes dois princípios são o Jita Kyoei e Seiryoku Zenyo.