O atleta Josh Barnett – atual campeão peso pesado no Metamoris, além de já ter feito uma excelente carreira em outros eventos, como o UFC – publicou em seu facebook um post muito interessante e polêmico cujo título é: “Porque lutar ajoelhado é uma perda de tempo“.

Josh argumenta que iniciar a luta (especialmente no caso do jiu-jitsu) ajoelhado é um atraso para os alunos e uma grande perda de tempo no que diz respeito ao aprendizado da luta.

Em um dos trechos de seu post, Josh escreve:

Lutas em primeiro lugar não começam ajoelhadas. Na verdade, eu não consigo pensar em nenhum esporte que se inicia ajoelhado além do inútil Kneel Jumping (busque no Google. É um esporte real) e última vez que verifiquei, esse não é o esporte que estávamos treinando. Lembro-me de uma das primeiras coisas que meu técnico da minha escola de wrestling me disse: “Prazer em conhecê-lo.” E a segunda coisa foi “PARE DE FICAR AJOELHADO!!”.

Iniciar ajoelhado, puxar para guarda, se defender em posição de targaruga – qual a diferença?

A reflexão de Josh pode ser ampliada para outras posições e ações muito comum em ambiente de treino, como puxar para a guarda ou se defender em posição de tartaruga. É uma perda de tempo de fato?

Depende de como formos analisar a situação. Por qual razão treinamos artes marciais? Defesa pessoal? Aprender uma “arte da guerra”? Ganhar uma medalha no campeonato estadual? Ser atleta olímpico? Ser campeão mundial na modalidade?

Observem que podemos definir nossos objetivos em dois grupos: (1) o grupo dos que se interessam pela defesa pessoal e marcialidade da luta e (2) o grupo dos que se interessam por medalhas e competições.

Defesa Pessoal e Marcialidade das lutas

Situações reais nunca começam na posição ajoelhada

Situações reais nunca começam na posição ajoelhada

Sob o ponto de vista da defesa pessoal e da marcialidade das lutas, Josh está completamente certo. É uma grande perda de tempo iniciar o randori, a luta, ajoelhado. Assim como é uma grande perda de tempo puxar para a guarda ou se defender em posição de tartaruga. E as razões para isso são muito simples: estar ajoelhado é estar numa posição completamente vulnerável. É estar numa posição onde alguém facilmente pode lhe atingir com um pedaço de pau, com uma faca, com um chute. São raros os esportes onde se começa ajoelhado. Alguém já viu alguma batalha onde os guerreiros começam ajoelhados? Não existe.

O mesmo vale para a posição de tartaruga, adorada por judocas. É, igualmente, uma posição completamente vulnerável, visto que a parte de trás da cabeça fica completamente exposta. Basta observar que boa parte dos esportes de contato terminam a luta quando o atleta se rende nesta posição.

E puxar para a guarda? Péssima ideia! Uma das técnicas mais perigosas do judô, o daki-age, é tão fatal que é proibida em competições de judô e jiu-jitsu. Realizar esta técnica em competição significa ser desclassificado. Confiram o vídeo abaixo, com vários exemplos de daki-age em competições (os primeiros daki-age’s começam aos 0:50 do vídeo):

Como pode-se perceber, puxar para a guarda em uma situação real, de defesa pessoal, de luta, é pedir para ser nocauteado com facilidade. Imaginem um daki-age sendo executado no chão? É pedir para uma fatalidade ocorrer. E tem também o fato de que numa situação real, nunca sabemos se estamos lutando contra um só indivíduo ou dois. Mesmo que eu puxe para a guarda e evite o daki-age, estou numa posição completamente vulnerável, podendo levar um chute de uma terceira pessoa envolvida.

Portanto, analisando do ponto de vista do grupo de pessoas interessados em aprender técnicas marciais e defesa pessoal, a conclusão é realmente esta: é uma perda de tempo iniciar a luta ajoelhado, ficar puxando para a guarda e ficar em posição de tartaruga defendendo-se.

Se você tem esse interesse e pratica judo ou jiu-jitsu, então a dica é: busque sempre iniciar as lutas em pé, evite ficar puxando para a guarda e quando estiver defendendo-se em posição de tartaruga, evite demorar mais que 3 segundos nesta posição. Aprenda, desenvolva-se marcialmente. E estas três posições irão sempre lhe atrasar neste ponto.

Medalhas e Competições

E do ponto de vista de competições. É de fato uma perda de tempo iniciar ajoelhado? Sobre isso, Josh Barnett escreve:

[…] iniciar a luta ajoelhado, na minha opinião, não vai ajudar muito o seu desempenho e não vai ajudá-lo a estar melhor preparado para a competição. Em vez disso, comece com uma pessoa no que eu chamo de uma posição negativa, sendo uma posição negativa o seguinte: de costas ou de alguém em uma posição dominante, como a 100 quilos, montada, ou em suas costas. Estas são as posições de combate viáveis e  reais que você vai se encontrar todo o tempo, seja você a pessoa por cima ou por baixo.

Benson Henderson em competição de Jiu-Jitsu: lutas começam em pé.

Benson Henderson em competição de Jiu-Jitsu: lutas começam em pé.

Do ponto de vista estratégico para competições, podemos observar o seguinte: quedas valem pontos? sim, valem. Boas quedas o colocam em situação de vantagem? Sim, pois se a queda for bem aplicada, além de ter vantagem em pontos, você tem em torno de um ou dois segundos para partir para uma posição ofensiva sem muita reação do oponente. Caso a queda não deixe o oponente atordoado, você tem a vantagem em pontos. Em geral, atletas de jiu-jitsu sabem defender-se de quedas? Não, não sabem em geral. Portanto, saber aplicar quedas o coloca em posição de vantagem técnica em relação a seus oponentes e também o coloca em situação de segurança, visto que você saberá se defender bem de quedas.

Sem falar de uma questão muito simples: todas as competições de jiu-jitsu começam… em pé!

Ora, então se todas as competições de jiu-jitsu começam em pé, qual a razão de evitar nos treinos a prática de um momento crucial para uma boa estratégia de luta, que é a de ganhar pontos e vantagem estratégica através das quedas? Não é a toa que é comum encontrarmos publicações e revistas de jiu-jitsu com matérias sobre quedas e as vantagens de se saber aplicar quedas.

Por conta disso, Josh Barnett conclui:

Pare de perder o seu tempo e o de seus alunos trabalhando algo que é completamente irrelevante para o esporte ou combate na vida real.

Já puxar para a guarda, do ponto de vista competitivo, não é inseguro como é do ponto de vista marcial, visto que as técnicas que poderiam neutralizar a puxada (o daki-age, por exemplo), são proibidas. Só que vale a pena a seguinte reflexão: em geral, quando a luta começa em pé como é o caso de todas as competições de jiu-jitsu, temos duas alternativas, puxar para a guarda ou derrubar. Puxar para a guarda é fácil. Então, por que não ampliar seu repertório técnico e sua capacidade de defesa, aprendendo a aplicar quedas e aprendendo a defender-se de quedas? Com isso, a depender do seu oponente, você vai ser capaz de fazer mais do que apenas uma única coisa, que é puxar para a guarda.

E a posição de tartaruga? Uma boa defesa para os judocas?

Essa questão já foi parcialmente desenvolvida no post “Todo judoca deve praticar jiu-jitsu – saiba por que” e o raciocínio é semelhante ao feito para o praticante de jiu-jitsu que insiste em levar a luta para o chão puxando para a guarda ou ajoelhando-se. Ficar na posição de tartaruga é uma boa defesa? É sim, mas saber somente isso é perder a oportunidade de se desenvolver tecnicamente e se diferenciar em relação aos adversários. Observe o vídeo abaixo:

O atleta de azul perdeu a luta em plena competição mundial de judô não porque seu adversário tinha um bom conhecimento em newaza, mas sim, porque ele não tinha nenhum conhecimento em newaza. Saber se defender no solo e saber sair de uma situação de desvantagem para uma situação de vantagem é fundamental em competições. Saber newaza permite ser capaz de reconhecer os pontos fracos do adversário quando ele cai no solo, permitindo vencer por finalização sem muita dificuldade e permite reconhecer seus pontos fracos e assim se proteger melhor quando a luta em competição vai para o solo. Por isso, o ideal para atletas é saber diversas possibilidades de ataques em solo quando o oponente encontra-se em posição de tartaruga e saber também como sair dessa posição vulnerável de forma segura evitando tomar ataques nesta posição.

Iniciar a luta ajoelhado, puxar para a guarda ou se defender em posição de tartaruga – realmente uma perda de tempo?

Defesa em posição de tartaruga

Defesa em posição de tartaruga

A análise acima é apenas uma forma de enxergar a questão. É possível que existam outros entendimentos. Do ponto de vista marcial, é totalmente inútil e desvantajoso investir tempo iniciando as lutas ajoelhado, puxar para a guarda ou se defender em posição de tartaruga. O ideal é investir tempo em técnicas que funcionam na vida real e que lhe dão chances reais de sair com segurança de situações de risco, e ir pro chão ou ficar no chão encolhido não são situações desejadas.

Entretanto, do ponto de vista competitivo, há uma grande vantagem técnica em se ampliar o repertório e agir em cima do ponto fraco dos oponentes. Alguns técnicos podem achar inútil gastar tempo treinando quedas para atletas de jiu-jitsu ou newaza para atletas de judô. Preferem formar seus atletas especialistas em pouca coisa e investir o tempo nestes aspectos. Mas pelo que se pode acompanhar em competições de alto rendimento, os que mais se destacam são os que possuem diferenciais. Portanto, parece que Josh Barnett tem certa razão ao dizer que iniciar a luta ajoelhado é uma grande perda de tempo.

Por isso, fica a dica:

– Se você é praticante de Judô, é fundamental treinar newaza, especialmente com os especialistas, ou seja, em aulas de jiu-jitsu. E se você é praticante de jiu-jitsu, é fundamental treinar nage waza, ou seja, técnicas de queda, especialmente com os especialistas, ou seja, em aulas de judô.